Quaresma: como e por quê?
Uma prática que se repete desde os
primórdios do cristianismo
Em preparação para a Páscoa, surgiu já
nos primeiros tempos do cristianismo um período voltado a preparar melhor os
fiéis para o mistério central da Redenção de Cristo.
Esse período era de um dia apenas. Ele
foi se alongando com o tempo, até chegar à duração de 6 semanas. Daí o
nome quaresma, do latim quadragesimae, em referência aos 40
dias de preparação para o mistério pascal. A quaresma, para os fiéis, envolve
duas práticas religiosas principais: o jejum e a penitência. O primeiro, que já
chegou a ser obrigatório para todos os fiéis entre os 21 e os 60 anos de idade,
exceto aos domingos, foi introduzido na Igreja a partir do século
IV.
O jejum na antiga Igreja latina
abrangia 36 dias. No século V, foram adicionados mais quatro, exemplo que foi
seguido em todo o Ocidente com exceção da Igreja ambrosiana. Os antigos monges
latinos faziam três quaresmas: a principal, antes da Páscoa; outra antes do
Natal, chamada de Quaresma de São Martinho; e a terceira, a de São João Batista,
depois de Pentecostes.
Se havia bons motivos para justificar o
jejum de 36 dias, havia também excelentes razões para explicar o número 40.
Observemos em primeiro lugar que este número nas Sagradas Escrituras representa
sempre a dor e o sofrimento.
Durante 40 dias e 40 noites, caiu o
dilúvio que inundou a terra e extinguiu a humanidade pecadora (cf. Gn. 7,12).
Durante 40 anos, o povo escolhido vagou pelo deserto, em punição por sua
ingratidão, antes de entrar na terra prometida (cf. Dt 8,2). Durante 40 dias,
Ezequiel ficou deitado sobre o próprio lado direito, em representação do castigo
de Deus iminente sobre a cidade de Jerusalém (cf. Ez 4,6). Moisés jejuou durante
40 dias no monte Sinai antes de receber a revelação de Deus (cf. Ex 24, 12-17).
Elias viajou durante 40 dias pelo deserto, para escapar da vingança da rainha
idólatra Jezabel e ser consolado e instruído pelo Senhor (cf. 1 Reis 19, 1-8). O
próprio Jesus, após ter recebido o batismo no Jordão, e antes de começar a vida
pública, passou 40 dias e 40 noites no deserto, rezando e jejuando (cf. Mt
4,2).
No passado, o jejum começava com o
primeiro domingo da quaresma e terminava ao alvorecer da Ressurreição de Jesus.
Como o domingo era um dia festivo, porém, e não lhe cabia portanto o jejum da
quaresma, o Dia do Senhor passou a ser excluído da obrigação. A supressão desses
4 dias no período de jejum demandava que o número sagrado de 40 dias fosse
recomposto, o que trouxe o início do jejum para a quarta-feira anterior ao
primeiro domingo da quaresma.
Este uso começou nos últimos anos da
vida de São Gregório Magno, que foi o sumo pontífice de 590 a 604 d.C. A mudança
do início da quaresma para a quarta-feira de cinzas pode ser datada, por isto,
nos primeiros anos do século VII, entre 600 e 604. Aquela quarta-feira foi
chamada justamente de caput jejunii, ou seja, o início do jejum
quaresmal, ou caput quadragesimae, início da quaresma.
A penitência para os pecadores públicos
começava com a sua separação da participação na liturgia eucarística. Mas uma
prescrição eclesiástica propriamente dita a este respeito é encontrada apenas no
concílio de Benevento, em 1901, no cânon 4.
O cristianismo primitivo dedicava o
período da quaresma a preparar os catecúmenos, que no dia da Páscoa seriam
batizados e recebidos na Igreja.
A prática do jejum, desde a mais remota
antiguidade, foi imposta pelas leis religiosas de várias culturas. Os livros
sagrados da Índia, os papiros do antigo Egito e os livros mosaicos contêm
inúmeras exigências relativas ao jejum.
Na observância da quaresma, os
orientais são mais severos que os cristãos ocidentais. Na igreja
greco-cismática, o jejum é estrito durante todos os 40 dias que precedem a
Páscoa. Ninguém pode ser dispensado, nem mesmo o patriarca. Os primeiros monges
do cristianismo, ou cenobitas, praticavam o jejum em rememoração de Jesus no
deserto. Os cenobitas do Egito comiam contados pedaços de pão por dia, metade
pela manhã e metade à noite, com um copo d’água.
Houve um tempo em que não era permitida
mais que uma única refeição por dia durante a quaresma. Esta refeição única, no
século IV, se realizava após o pôr-do-sol. Mais tarde, ela foi autorizada no
meio da tarde. No início do século XVI, a autoridade da Igreja permitiu que se
adicionasse à principal refeição a chamada “colatio”, que era um leve jantar.
Suavizando-se cada vez mais os rigores, a carne, que antes era absolutamente
proibida durante toda a quaresma, passou a ser admitida na refeição principal
até três vezes por semana.
As taxativas exigências do jejum
quaresmal eram publicadas todos os anos em Roma no famoso Édito sobre a
Observância da Quaresma. A prática do jejum, no passado, era realmente
obrigatória, e quem a violasse assumia sérias consequências.
Os rigores eram tais que o VIII
Concílio de Toledo, em 653, ordenou que todos os que tinham comido carne na
quaresma sem necessidade se abstivessem durante todo o ano e não recebessem a
comunhão no dia da Páscoa.
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